segunda-feira, 6 de outubro de 2008

38. Tão longe, de mim distante...


Dia de Carnaval. Feriado sem graça. A princípio achava que era por que vivia em uma cidade interiorana, mas depois que começou a ler blogs na internet começou a perceber que todos os cantos são interioranos. Acreditava que a única diferença é que em lugares maiores a possibilidade de ter amigos gays era maior devido à concentração de pessoas, e não precisaria passar o dia sozinho. Mas o jeito foi mesmo contar os segundos, os minutos, as horas e esperar o dia passar. E o foi o que fez.

Na quarta-feira, tomou coragem e foi falar com a mãe. Esperou que o pai saísse para o trabalho e bateu à porta.

- Por que você não telefonou como havia combinado?

- Precisava de um tempo.

- Mesmo que isso matasse sua mãe de aflição?

- Mãe, eu não vim aqui para me justificar diante do que fiz ou deixei de fazer. Vim dizer que

estou morando no hotel. Quero cuidar da minha própria vida...

- Ah, meu Santo Antônio, valei-me...

- Não começa invocar os seus santos que eles me dão urticária... Estou procurando meu caminho...

- Mas eu e seu pai já estamos velhos, não podemos ficar sozinhos.

- Vou continuar aqui na cidade. Se precisarem de mim é só chamar...

- Seu irmão também dizia isso. Casou, desapareceu, liga a cada três meses...

- Quantas vezes a senhora liga pra ele? E a senhora já se perguntou por que ele não liga para vocês?

- Você está querendo dizer é que eu é que sou a culpada...

- Não, estou dizendo que todos somos responsáveis... Não podemos reclamar que ele não liga pra nós, se a gente também não liga pra ele. E se a gente tem saudades dele, não custa nada ligar, ainda que ele não ligue pra nós...

- A gente cria filhos, pensa que sabe tudo deles, que um dia vai receber um agradecimento, mas quando menos se espera, vem a punhalada...

- O que você chama de punhalada, eu chamo de necessidade imperiosa de...

- Pare com seu palavreado difícil e irônico!

- Pare com sua chantagem emocional.

- Eu sou assim e não vou mudar meu jeito porque você quer...

- Não quero que você mude... Estava dizendo que eu preciso mudar. Preciso experimentar outras realidades que não sejam fazer as vontades de uma mãe, por quem eu me sinto chantageado. Quem sabe longe um do outro, podemos nos relacionar melhor.

Longo silêncio.

- Não há dia melhor pra alguém ouvir essas coisas... Quarta-feira de cinzas... Começa a via-crúcis...

- A senhora interprete como quiser... Se precisar de mim, estou disponível. É só ligar.

À noite, mergulhado no caldo inodoro e insípido da vida, ligou para o irmão. Fazia tempo que não se viam ou falavam. O outro era casado, tinha dois filhos e morava a quase mil quilômetros distantes. Sempre dizia que a profissão o impedia que visitasse os pais e o irmão e, quando tinha férias, sempre curtas, era preciso aproveitar, indo a praias do Estado em que morava, estâncias, hotéis-fazenda próximos da região em que vivia. Era alto executivo de uma empresa de logística e a qualquer momento corria o risco de ser convocado a interromper o descanso, por isso não podia ir muito longe.

A conversa foi curta, fria e sem novidades. Tentou esticar o máximo que pôde, mas o irmão insistia em ser lacônico. Por fim, veio a frase mais longa:

- Mas o que foi que aconteceu que você também decidiu ligar hoje? Isso nunca aconteceu! A mãe acabou de ligar. Será que ocorreu um milagre nessa casa? Ou estão precisando de algo?

- Não, apenas liguei para dizer que me lembrei de você, me deu saudades e quis saber como você está.

- Estou bem.

- Ok. Então felicidades e muito sucesso.

- Obrigado.

- Até outra hora.

- Até.

3 comentários:

Serginho Tavares disse...

ai...
me deu vontade de chorar
será que ando muito sensível?
admiro quem pode fazer isso. todos podemos mas no fundo temos medo
adorei

e muito
beijos

João Roque disse...

O dificil relacionamento familiar bem retratado neste post.
Abraço.

Leo Carioca disse...

Como disse o Pinguim, esse texto retratou bem a realidade.