segunda-feira, 25 de agosto de 2008

32. Bis


O telefone tocou novamente. Acordaram. O visor do aparelho indicava o número da casa dos pais. Foi então que ele se lembrou que havia prometido ligar para a mãe. Devia ser ela que estava à procura de notícias suas. Combinou então com Frederico que iria para seu quarto tomar banho e trocar de roupa para irem logo mais ao leilão e ligou para casa.

- Meu filho, estamos preocupados. Você falou para sua mãe que iria viajar e não deu mais notícias.
Explicou para o pai que tudo estava bem e que não se preocupassem. Estava curtindo as férias.
Onde iria chegar com aquela mentira? Não queria saber. O importante era viver o momento. Seus pais que o esperassem com suas preocupações. Ele não estava querendo prever nada.
No banho, deixou que a água escorresse por seu corpo como se o acariciasse, enquanto seu pensamento tentava imaginar o que seria a noite ao lado daquele ilustre desconhecido que lhe proporcionara uma experiência nunca antes imaginada.
No leilão, ficou aparvalhado em constatar que um negócio como aquele existia em sua cidade e ele não conhecia nada daquilo. O que se via era algo que não imaginara existir, quase um universo paralelo. Homens e mulheres com os últimos lançamentos em carros, roupas e acessórios. Comida e bebida eram servidas nas mesas, enquanto lotes e mais lotes de bezerros e novilhas desfilavam diante dos olhos de todos. Os lances se sucediam, música sertaneja nos intervalos e os olhos de Otávio pregados na platéia masculina que infestava o local como um enxame de moscas.
Frederico se comportava como se nada tivesse acontecido entre eles e isso aumentava o desejo de Otávio por aquele boiadeiro. Só de saber que em poucas horas teria novamente aquele homem no estado em que estiveram já o deixava ereto.
Apesar de Frederico não dar mostras do ocorrido, se comportava como se o olhar de Otávio lhe apalpasse o corpo. As vezes se levantava, ficava em pé diante dele, exibindo os quadris na altura da cara. Em outros momentos, entre um copo de cerveja e um pedaço de churrasco, esbarrava propositadamente no outro ou pegava-lhe a mão no mesmo momento em que o outro avançava para apanhar algo sobre a mesa.
Depois de realizado os negócios e contratado para o dia seguinte o transporte da manada, terminado o evento, foram novamente para o hotel. Agora já não eram necessárias as preliminares da tarde. Mal entraram no apartamento, Frederico despiu-se e, sem tocar o corpo do amante, colocou-se na posição de combate. Otávio não pôde resistir, atirou‑se contra ele.

Nunca tivera um parceiro assim tão violento no prazer. Ondulando sobre o colchão, seus corpos dialogavam como se fossem macias chamas que se tocavam. Frederico sentindo o tépido corpo vibrando dentro do seu, improvisava uma sucessão de movimentos inusitados que foram crescendo até que o outro estourasse em tremor e gozo.
Otávio havia descoberto o capitoso encanto que embebeda qualquer homem limitado em suas experiências com o sexo e pode então entender, porque em várias civilizações haviam deuses para o gozo venéreo. Seu pênis, agora selvagem e raro como um unicórnio, desejava mais aventura e Frederico adivinhou essas intenções.
Deitado como estava, torceu‑se trazendo os joelhos em direção ao peito, como se fosse um guerreiro que tivesse sucumbido ao golpe do inimigo, pronto para ser golpeado. Assim, desguarnecendo-se, exibiu o vasto campo a ser dominado. Otávio não se fez de rogado e dominou-o como quem utiliza uma arma de guerra.
Redemoinhos puros e profundos de sensações os arrastavam e de ambos os lados das trincheiras, vinham sons inconscientes e desarticulados. A visão estonteante que Otávio tinha ao avistar-se penetrando uma enseada profunda com montes salientes acima dela, o transportava para terras distantes, mas ao mesmo tempo o mantinha presente naquele embate. Transpondo os montes, via-se um corpo macio, coberto de uma vegetação rasteira de pêlos que se estendiam por um ventre branco, que se alongava em tórax e ombros e pescoço e boca a murmurar gemidos excitantes e olhos e rosto e sua âncora que afundava e ressurgia e braços e as mãos de Frederico a massagearem freneticamente seu istmo ereto, pronto a explodir. Também o boiadeiro, rangendo os dentes e grunhindo debaixo daquele seu inimigo, contemplava inusitada paisagem, achando‑o também agora, como homem, melhor que nunca, aumentando um som gutural e estrangulado.

Otávio se curvou e alcançou o rosto de Frederico, metendo-lhe pela boca a língua úmida e em brasa. Depois, um arranco de corpo inteiro, com um soluço, arquejante e convulso, estocou-lho, explodindo em grosso e espesso líquido e viu então o outro irrompendo-se como se viesse a depositar sobre a cratera do umbigo aquele curso fluido que por ele circulava.

Frederico então recostou a cabeça sobre o peito do outro e, embalado pela respiração de Otávio, cerrou as pálpebras como quem se deixa ninar pela maré das águas, enquanto Otávio se deixava ali ficar, incapaz de se mover para que o outro não acordasse, com os olhos vagueando pelos cantos, fugindo para o teto, pousando nas cortinas, que se transformavam num campo e alcançavam as incomensuráveis distâncias da saudade. Ele então se esforçava para reter em sua memória aquela paisagem com seu brilho e vida para que não se tornasse nunca uma natureza morta.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

31. Rodeio


Entraram no quarto. Frederico rodou a chave na fechadura. Otávio encostou-se na parede para liberar a passagem. O notebook estava sobre a mesa no canto direito do aposento. O boiadeiro, em vez de caminhar para a máquina, parou e colou-se nele, enfrentando-o, colocando as duas mãos na parede, prendendo-o com o corpo. Otávio sentiu-lhe o calor e ouviu dois corações batendo compassadamente, acelerados. As respirações bafejando próximas e um odor que os excitava.

- Você é um marruá fornido, buliu com minha atenção – no estado em que estavam, a respiração de ambos se entrecortava –. Acho que vi nos seus olhos que você também se interessou por mim...

- Me desculpe se...

O outro não deu tempo para que continuasse a fala. Desceu-lhe a mão direita pelo corpo por sobre a calça até o zíper, pressionando-lhe com mãos hábeis de quem está habituado a apalpar os órgãos de reprodutores as saliências exaltadas.

- Só precisa se desculpar se não for a fim. Minha proposta é simples. É sim ou não?

- Sim.

- Falta uma única coisa.

- Qual?

- Tenho interesse apenas em ser passivo com você.

- Ok.

Mal teve tempo de balbuciar. O outro, enquanto lhe segurava a verga, enfiou-lhe a outra mão por baixo da camisa e apertava-lhe um dos mamilos, enquanto raspava os dentes no outro. Otávio deixou-se ficar abandonado nos movimentos daquele corpo que o dominava. Seus músculos latejavam, reclamando aquele homem de sangue esperto. Perceberam que, aos dois, era-lhes insuportável o estado de lubricidade.

Frederico já lhe tinha alcançado o rosto e a boca volúvel chupou-lhe os lábios e invadiu-os, puxando-lhe a língua demoradamente. Depois arrancou-lhe a camisa, livrou-se também da sua, arrancou-lhe os tênis, descalçou suas botinas e, juntando as duas camas estreitas, jogou-se de bruços sobre os colchões.

Otávio não lhe deu tempo, atirou‑se contra ele, pressionando os quadris sobre os glúteos do outro, que se arrebitou para melhor sentir-lhe a envergadura. Deitado sobre o dorso de Frederico e no estado de lubricidade em que estava, segurou-lhe então uma das orelhas com os dentes. Como aquele senhor reagisse num pequeno sobressalto, ergueu-se, montado-lhe a garupa. Ao ver o fazendeiro embaixo de si, ainda hesitou um instante, imóvel, a contemplá‑lo. Assanhou-lhe ainda mais o desejo da carne, o sangue latejava‑lhe, reclamando‑o.

Foi então que Frederico se virou, abriu o zíper e livrou-se das demais peças, colocando-se numa posição confortável para que o outro pudesse servir‑se dele. Otávio deparou-se então com uma nudez estofada e branca como se fossem duas dunas divididas por uma mata ciliar que escondia um córrego de águas escuras no centro do qual já não havia mais uma paisagem, mas uma fruta sombria, que evocava a louca e voluptuosa boca do boiadeiro.

Sorveu-a demoradamente e continuou a deslizar pela planície ao pé dela até chegar ao comprido cacho que ali se dependurava e enquanto alisava-o ou mordia-o de leve repetidas vezes, como se quisesse extrair-lhe sumo, sentia o cheiro excitante e o que ouvia era uma escala de suspiros.
E se continuasse contornando aquela geografia?

Atingiu então um galho ereto de bom tamanho, na ponta do qual se exibia intumescida pitanga, que ele curioso continuou chupando. Harmoniosa era a ária executada pelo tenor que, postado como touro que estava, vergou-se sobre os flancos para apanhar com os beiços e a língua bovina o gomo longo e macio que se esticava atrás de si. Estiveram assim a afagar-se mutuamente, como se a luz coada pelas cortinas lhes lambesse deliciosamente como se tivesse lábios mornos.

- Chega! Clemência! Me transpasse com essa tua guampa...

Em meio às roupas de Otávio, o telefone tocando... Ele tornando a fitar o desenho que se formava na orla estendida sobre um céu quase branco. Ali onde morriam as duas colinas, assinalando o meio da margem, a pérola que se adentrava no escuro recesso. Pérola, fruta ou gruta? Revestindo o cajado, ele se pôs a palmilhá-la.

Baixarias ou gozos sublimes?

Espojou-se nele, que, depois, satisfeito, envolveu-o nos braços e naquele aconchego, cansados do costeio, adormeceram.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

30. Frederico


- Você é de onde?

Enquanto explicava ao novato sua história, desceram as escadas, ganharam a avenida e chegaram ao bar. Um corte profundo cindia Otávio em duas partes complementares. Uma prestava atenção em cada palavra, em cada gesto dele e do outro, como se fosse um lance num jogo de xadrez. Outra avaliava o seu estado e combatia seu medo.

O que aquele sujeito teria visto nele para lhe propor tomarem cerveja na mesa de um bar? Seria o que lhe passava pela cabeça? E se fosse? Como reagir? Evitaria? Mergulharia na proposta?
Toda sua vida fora pautada pela ética do bom moço, pelo medo de se expor, de decepcionar os pais. No que resultara? Em traumas, tédio e solidão.

Acomodaram-se em uma mesa na calçada, o toldo azul projetando sombra sobre eles e, pelas paredes, cartazes propagandeando cerveja nas mãos de mulheres com biquínis reduzidos. O garçom encheu os copos.

- Um brinde às novidades. Propôs Frederico.

- Às novidades... Respondeu Otávio. E você? De onde vem? Quis saber.

Soube então que Frederico tinha duas fazendas no Mato Grosso do Sul. Era criador de gado e vinha freqüentemente ao leilão de bezerros e novilhas, que se realizava às terças-feiras na cidade. O melhor da região para o tipo de negócio que desenvolvia.

- Você não tem namorada? Perguntou o fazendeiro.

Ele hesitou um pouco. Tinha vontade de já declarar toda a situação.

- Não... E você?

- Sou casado. Tenho um filho com dezessete anos e uma menina com doze...

A conversa continuou. Nada que desatasse as intenções do olhar já na recepção do hotel. Apenas

um ping-pong de perguntas e respostas, olhares fixos, como se um sondasse a reação do outro em busca de um ato falho.

- E sua esposa, não reclama que você viaje para tão longe atrás de negócios?

- Minha esposa, coitada, ela é muito boazinha. Não se opõe a nada que faço, não se mete na minha vida... E você, não se casou ainda por quê? Não deve ter sido por falta de oportunidade.

- Não... Quero dizer, acho que não... Não encontrei a pessoa certa ainda.

- E o que precisa ter essa pessoa pra ser a pessoa certa?

A prosa desencadeava então para discussões teóricas.

Depois de mais de três horas, algumas cervejas e muita saliva, o celular de Frederico tocou. Ele atendeu. Pela conversa, Otávio pôde entender que era um funcionário pedindo instruções. Ao terminar a ligação, o boiadeiro olhou as horas no visor do telefone.

- Você é um bom papo. A hora passou e nem percebi... Já tem compromisso pra hoje à noite? Não quer ir comigo no leilão?

- Claro. Isso sim vai ser novidade. Apesar de morar aqui, nunca fui lá.

- Então vamos pedir a conta! Ainda preciso dar uma relaxada.

Veio a conta. Mesmo com a insistência de Otávio para dividirem o valor, Frederico pagou sozinho.

- Faço questão de pagar! Afinal, não é todo dia que a gente encontra companhia agradável...

Caminharam lado a lado no curto caminho até o hotel. O torpor do álcool provocando aqueles esbarros acidentais e desejados entre braços e ombros. Conversas sobre o tempo para prolongar a comunicação e evitar o silêncio que seria um peso naquele momento.

No hotel, Frederico abriu a porta do seu apartamento e Otávio fez menção de continuar pelo corredor, adiantando um passo.

- Quando for hora, interfone no meu quarto: 104.

- Não quer entrar pra dar uma olhada nas minhas propriedades? Frederico suspirou e sorriu. Tenho fotos e vídeos no computador...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

29. O que será? O que será?


Otávio passou o resto da tarde, o início da noite e a manhã do dia seguinte redigindo o projeto. Saiu para o almoço e quando voltou já não tinha mais disposição para tal trabalho. O que fazer então? Ele relutava, mas percebia que todo seu tempo livre eram lacunas em potencial para lembrar de Jardel.

Contudo era preciso levar a vida adiante e ele se sentia deslocado sem aquilo que lhe dava segurança, a sua antiga vida estruturada ao lado do papai e da mamãe e da idéia de que um dia encontraria um companheiro com quem viveria uma relação eterna e duradoura.

Apesar de estar farto de emoções violentas – muitos foram os fatos da última semana – pedia ao minuto que passava, ao telefone que não tocava, que lhe trouxesse uma emoção que lhe preenchesse os próximos instantes e prolongasse por toda a tarde, toda a noite e toda a sua existência.

Pôs-se a pensar em como preencher o tempo e a internet lhe veio como solução. Postou mais um comentário em seu blog e atualizava-se: as últimas notícias do Alberto, no zapping news; as reflexões do Klero, no Gclichê; os perfis que compunham a galeria do Leo Carioca; o fim de semana do Mário, no limite da razão; as crônicas do Mans; riu com o “ask to gay guru” e o Goiano; as novidades do sítio peludo e do Pingüim.

Postava um comentário quando um novo hospede chegou para ser atendido. Pelo traje – calça jeans, cinto com fivelão, botinas, camisa pólo por dentro da calça, evidenciando a barriga um pouco saliente – ou pelo bigodão e pelo boné com o símbolo dos criadores de nelores, aparentava ser quarentão.

Antes de dizer qualquer coisa à atendente, seus olhos se cruzaram e seu radar já detectou aquela manchinha que somente um gay sabe reconhecer na fisionomia de outro. Pela rapidez com que foi atendido, adivinhou que era um cliente habitual daquele hotel. Quem seria? O que teria vindo fazer naquela cidade? Olhou novamente e o outro estava a olhá-lo. Ouviu quando o outro falou que iria tomar um banho e descansar da viagem. Estava na estrada desde a madrugada.

Otávio quis continuar a blogar, ainda faltavam o Tin Man, O Teorema de Oz, As Memórias Profanas, o Too-tsie, o Kazé, o Controversy, enfim muita gente, mas dentro dele reinava o desassossego. Resolveu ir para o quarto, fazer outra coisa. Quem sabe ler um dos livros que trouxera.

Ao se aproximar da escada, ouviu passos no piso superior e no hall, a meio caminho entre o primeiro conjunto de degraus para quem sobe e o primeiro para quem desce, deu de cara com o novo hóspede.

- Boa tarde!

- Boa tarde. Sabe me dizer onde se pode tomar uma boa cerveja por aqui?

- Claro, na primeira rua transversal à avenida, logo aqui embaixo à esquerda, é um bom lugar.

- Não está a fim de me acompanhar?

Mais um turbilhão em seu centro, mas o que teria ele a perder?

- É pra já!