quarta-feira, 29 de outubro de 2008

41. Um suicida


A notícia que estava na boca de todas as pessoas na manhã seguinte foi o suicídio do Demerval, um cara de quase trinta anos. Ele era casado, tinha dois filhos pequenos, muitos conflitos com a esposa e corria à boca pequena que assediava os rapazes e os homens da cidade.


As justificativas para sua morte eram que ele tinha um caso com um rapaz, o qual trabalhava no sítio da família e que o rapaz tinha pedido as contas e se mudado para outra propriedade no município vizinho. Demerval o procurara durante o Carnaval, procurando convencer o moço a voltar a trás na decisão, mas o moço não se comoveu com o pedido.

Depressivo e desesperado, Demerval se enforcou com uma corda no suposto local em que mantinha seus encontros amorosos com o ex-empregado.

Uns comentavam assustados, alguns fazendo piadas, outros constrangidos e havia ainda aqueles que diziam não encontrar problemas no amor dos dois.

Na falta do que fazer – ele não iria ao velório, pois não era amigo do defunto, nem da família – Otávio passou grande parte do dia navegando na internet e pensando nos possíveis motivos para o que acontecera ao rapaz. Lia blogs e pensava nos motivos por que criara o seu. A princípio pensava em divulgar a sua literatura, mas uma desesperança batia em sua mente ao constatar que raras eram as páginas que tinham exclusivamente essa intenção. Isso significaria que ficção não era propriamente um interesse dos freqüentadores de blogs.

Por que e para quem escrevia então?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

40. Para onde vai a maré?


Um compromisso que já se institucionalizara naquelas férias de Otávio era o carteado nas noites de quinta-feira, na casa do sargento, junto com Lalo e o Oliveira. Antes mesmo que o pai de Jardel ligasse à tarde, ele contava como certo que iria à sua casa à noite – não sabia ao certo, se pela constância dos convites nas últimas quintas-feiras ou porque ultimamente vinha pensando a todo instante em Jardel e imaginava que ele deveria estar de volta da viagem de Carnaval.

O rapaz, contudo, não tinha retornado. Soube dele pelos comentários dos pais. Soube que estava novamente em casa do amigo, em São Paulo, notícia que foi recebida por ele como uma estocada profunda de ciúme. Em seus pensamentos esse fato apenas confirmava o que o levara a discutir com Jardel. Ele fora apenas um passatempo, uma aventura, para o estudante que estivera um longo tempo em uma grande cidade e voltara para uma cidadezinha interiorana e não tinha com o que passar o tempo.

Os pais de Jardel ainda comentaram ainda que o filho decidira fazer o curso de especialização e que, como as aulas começariam na segunda, iria ficar por lá. Voltaria quando tivesse um tempo para buscar as roupas.

- Você gosta muito do Jardel? Não é? Perguntou Lalo a Otávio.

E essa agora? O que aquela pergunta significaria?

- Sim, a gente se conheceu há pouco tempo, mas ele foi muito gente boa, tanto que eu estou aqui, com um parceiro definitivo para jogar truco.

O sargento deu uma olhada de soslaio e uma risada, como se quisesse comentar algo e o restante da noite foi de tédio e pensamentos distantes, tudo temperado pelas piadas de Lalo.

- Quando gay sai para caçar onça, sabe como ele espera a pintada?

- Não.

- De quatro.

Risos.

- Agora, sargento, você sabe que o Oliveira tem uma dúvida?

- Já vem ele com gracinha... Complementou o Oliveira.

- Não. É sério

- Outro dia ele me falou: “Me diga uma coisa. Se você fica bêbado uma vez você é alcoólatra?” Eu respondi: “Não”. Ele continuou: “E se você dá o cu uma vez, você é viado?”

Risos.

Para fugir do ostracismo que de repente abatera sobre seu estado de alma, Otávio ficava a flertar com a promessa de Frederico. O que iria propor o boiadeiro? O que imaginar? De qualquer modo, não convinha pensar que era algo que o livraria definitivamente do tédio que ele sentia naquela hora. Com certeza seriam encontros temporários para algumas horas de sexo, viagem para ficarem alguns dias juntos, ou quem sabe, alguma prática sexual nova – alguma tara do boiadeiro. Em todo caso, a perspectiva, em relação a Frederico, ao imaginar um companheiro para viverem juntos uma relação duradoura, parecia ser de solidão. Mas aquelas palavras ao telefone o deixavam intrigado e a voz do peão circulava em intervalos por seus ouvidos.

Era esperar para conferir.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

39. Apenas um telefonema.


Passado o feriado, só restava a Otávio esperar a volta ao trabalho depois das férias insípidas de janeiro. Mas havia ainda uma esperança pulsando em seu peito em relação a Jardel e ele ficava imaginando o outro chegando da viagem de Carnaval e fazendo contato para voltarem às boas. Em um desses devaneios, o telefone tocou e ele prontamente atendeu. Ele respirou fundo. Do outro lado da linha, estava Frederico:

- Como foi seu carnaval?

- Bem, solitário e monótono, sem nenhuma novidade.

- Se soubesse, teria te convidado para uma folia no Carnaval?

- E por que não convidou?

- Porque imaginei que você tivesse compromissos com seus amigos. Você não falou nada.

- Você não perguntou nada.

- Não vamos ficar fazendo cobranças por coisas que já passaram.

- É, foi falha na comunicação. Talvez a gente tenha que se comunicar melhor, não esperar um

momento oportuno para dizer, porque se eu soubesse que haveria essa possibilidade, não a teria

desperdiçado.

- Mas podemos criar uma outra. Semana que vem estou pensando em passar por aí. Você vai estar disponível?

- Retorno ao trabalho, mas posso encontrar um tempo para estar com você.

- Na terça-feira, pode ser? Chego à tarde e à noite a gente vai no leilão, pode ser?

- Mas é claro que sim.

- E que tal a gente aproveitar o instante?

- Como?

- Fazer uma prévia por telefone. Eu já estou sentindo seu corpo próximo do meu. Seu calor me

excitando, a sua mão desabotoando minha calça, minha camisa...

Otávio começou a enriger-se. Aquilo era uma novidade para ele.

- Hum... Que brincadeira, mais gostosa. Você é capaz de imaginar o que estou massageando?

- Claro que sim. Então me agarre pelas costas, que eu massageio pra você. Deixe que eu sinta

toda sua saudade me pressionando com raiva por trás... Aproveite para me apertar contra o seu corpo... Você é capaz de imaginar onde estou?

- Não.

- Estou aqui, sozinho no meio do campo, abraçado a um tronco, louco de vontade de me

encontrar com você... E cheio de inveja. Você sabe por quê?

- Não.

- Por que estou assistindo um touro perseguir uma novilha, que, agora de patas estendidas,

espera que o macho dê o salto.

- Você está vendo isso? Ela deve estar sentindo também uma gostosa língua no meio das ancas.

- Claro, estou vendo também detalhes de uma musculatura de cor rosa que se ergue no ar, é uma carne bem sadia.

- Sua mão consegue tocar isso tudo.

- Estou com ela entre as pernas, com as narinas dilatadas, mal posso esperar para sentir a circulação do novilho dentro de mim...

O resfolegar sibilante era ouvido dos dois lados da linha.

- Está sentindo a minha baba correndo, encharcando a sua bela bunda roliça. Nada é mais quente que o centro da sua anca...

Um alvoroço interior acudia-lhes em remoinho.

- Ah, finalmente o touro montou a novilha... Eu posso sentir a sua rigidez latejante do animal.

- Está sentido pulsar?

- Sim... Pode movimentar com mais agilidade, não pare...

Aquilo durou um instante. Do fundo de seus corpos, das mais íntimas entranhas, os dois estavam a sentir um esbraseamento, fazendo-a reverberar em vibrações fulminantes. O que se ouviu foram gemidos e respirações arquejantes até que suas mãos pararam de tremer... Houve então uma longa pausa.

- Me espere na terça. Vou te fazer uma proposta irrecusável.

- Hum, será que vou poder aceitar?


- Aguarde...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

38. Tão longe, de mim distante...


Dia de Carnaval. Feriado sem graça. A princípio achava que era por que vivia em uma cidade interiorana, mas depois que começou a ler blogs na internet começou a perceber que todos os cantos são interioranos. Acreditava que a única diferença é que em lugares maiores a possibilidade de ter amigos gays era maior devido à concentração de pessoas, e não precisaria passar o dia sozinho. Mas o jeito foi mesmo contar os segundos, os minutos, as horas e esperar o dia passar. E o foi o que fez.

Na quarta-feira, tomou coragem e foi falar com a mãe. Esperou que o pai saísse para o trabalho e bateu à porta.

- Por que você não telefonou como havia combinado?

- Precisava de um tempo.

- Mesmo que isso matasse sua mãe de aflição?

- Mãe, eu não vim aqui para me justificar diante do que fiz ou deixei de fazer. Vim dizer que

estou morando no hotel. Quero cuidar da minha própria vida...

- Ah, meu Santo Antônio, valei-me...

- Não começa invocar os seus santos que eles me dão urticária... Estou procurando meu caminho...

- Mas eu e seu pai já estamos velhos, não podemos ficar sozinhos.

- Vou continuar aqui na cidade. Se precisarem de mim é só chamar...

- Seu irmão também dizia isso. Casou, desapareceu, liga a cada três meses...

- Quantas vezes a senhora liga pra ele? E a senhora já se perguntou por que ele não liga para vocês?

- Você está querendo dizer é que eu é que sou a culpada...

- Não, estou dizendo que todos somos responsáveis... Não podemos reclamar que ele não liga pra nós, se a gente também não liga pra ele. E se a gente tem saudades dele, não custa nada ligar, ainda que ele não ligue pra nós...

- A gente cria filhos, pensa que sabe tudo deles, que um dia vai receber um agradecimento, mas quando menos se espera, vem a punhalada...

- O que você chama de punhalada, eu chamo de necessidade imperiosa de...

- Pare com seu palavreado difícil e irônico!

- Pare com sua chantagem emocional.

- Eu sou assim e não vou mudar meu jeito porque você quer...

- Não quero que você mude... Estava dizendo que eu preciso mudar. Preciso experimentar outras realidades que não sejam fazer as vontades de uma mãe, por quem eu me sinto chantageado. Quem sabe longe um do outro, podemos nos relacionar melhor.

Longo silêncio.

- Não há dia melhor pra alguém ouvir essas coisas... Quarta-feira de cinzas... Começa a via-crúcis...

- A senhora interprete como quiser... Se precisar de mim, estou disponível. É só ligar.

À noite, mergulhado no caldo inodoro e insípido da vida, ligou para o irmão. Fazia tempo que não se viam ou falavam. O outro era casado, tinha dois filhos e morava a quase mil quilômetros distantes. Sempre dizia que a profissão o impedia que visitasse os pais e o irmão e, quando tinha férias, sempre curtas, era preciso aproveitar, indo a praias do Estado em que morava, estâncias, hotéis-fazenda próximos da região em que vivia. Era alto executivo de uma empresa de logística e a qualquer momento corria o risco de ser convocado a interromper o descanso, por isso não podia ir muito longe.

A conversa foi curta, fria e sem novidades. Tentou esticar o máximo que pôde, mas o irmão insistia em ser lacônico. Por fim, veio a frase mais longa:

- Mas o que foi que aconteceu que você também decidiu ligar hoje? Isso nunca aconteceu! A mãe acabou de ligar. Será que ocorreu um milagre nessa casa? Ou estão precisando de algo?

- Não, apenas liguei para dizer que me lembrei de você, me deu saudades e quis saber como você está.

- Estou bem.

- Ok. Então felicidades e muito sucesso.

- Obrigado.

- Até outra hora.

- Até.