segunda-feira, 28 de abril de 2008

15. Sob a copa da palmeira altiva


Vendo o seu celular nas mãos de Dona Elizabeth, Otávio olhou atônito para Jardel.

– Deve ser da Luísa ou da Adriana! Acudiu Jardel.
– Mas como foi parar no cesto de roupa suja, no meio das suas peças?

– Eu é que sei? Devem ter usado o banheiro, colocado em cima do cesto e esquecido. Sei lá... Pode ter caído sem que se tenha visto... Depois joguei a roupa por cima... O moço parecia nervoso ao tentar explicar.

O sargento olhou por cima dos óculos, como se enxergasse longe.

– Olha aí que deve ter alguma coisa registrada. Era o sargento insistindo.

Otávio gelou.

– A bateria arriou. Respondeu Dona Elizabeth.

– Sempre há um restinho. Liga que dá pra ver de quem é. Repisava o marido.

– Me dá aqui. Amanhã eu ligo pra elas e resolvo isso. Atalhou Jardel.

Em meio a esse desconforto, o jogo iniciou. Ele e o sargento já tinham ganhado duas partidas, quando o telefone tocou. Jardel se recusou a atender. Dona Elizabeth, com uma paciência bovina, levantou-se.

– Maria Luísa, que coincidência, falamos de você há pouco!

Jardel foi rápido:

– Deixa que eu falo com ela.

E, praticamente arrancando o aparelho da mão da mãe:

– Já sei... Perdeu seu celular.

Otávio tentava imaginar a surpresa dela, quando o outro anunciou:

– Ele está aqui. Quer falar com ele?

Vacilando, ele ouviu Maria Luísa dizer:

– Otávio, tentei falar com você o dia todo... Seu celular estava sempre desligado... Liguei duas vezes pra sua casa, a linha estava ocupada... Agora à noite, tentei de novo e sua mãe me disse que você havia saído...

Ele, que ia pensando na reposta que daria, soltou no ímpeto:

– Não sei o que aconteceu. Coincidência, só pode ser!

– Queria te contar o que me aconteceu ontem... E mudando o tom de voz: Ah, e agora estou curiosa pra saber da festa... Mas já percebi que você não vai poder falar...

– Desculpa, eu não pude te ligar hoje... Mas que tal a gente se encontrar amanhã às três da tarde na sorveteria?
– Combinado!

O jogo prosseguiu e Otávio, embora estivesse ganhando todas as partidas em parceria com o sargento, deu vários sinais de que precisava ir embora. O parceiro sempre dizia que era cedo e servia mais vinho. Às duas da manhã, Dona Elizabeth disse que precisava dormir. O marido protestou:

– Mas o que é isso, Beth? Estamos de férias...

– Vocês estão de férias...

Otávio então aproveitou o mote e se despediu, enquanto o sargento, já enrolando as palavras, fez
com que ele jurasse que voltaria para tomar vinho e jogar cartas. Iria chamar outros parceiros. Jardel, também já alcoolizado, acompanhou-o até o portão.

Ele tinha sobrevivido.

Olhando para as estrelas e a lua que, apesar de minguante, pairava como uma pérola numa
concha, como se aproveitassem aqueles minutos para ficarem a sós, caminhavam devagar. Otávio esperava distanciar um pouco para pedir providências a Jardel em relação a suas mentiras, quando o outro puxou-o e empurrando-o contra o tronco da palmeira do jardim, sugou-lhe os lábios.
– O que é isso? Você está louco!

– Você não acha que iria embora sem me dar um beijo.

– Mas aqui no jardim?... No portão da sua casa?... E se seus pais estiverem olhando?...

– Se eu pedisse, você não toparia. Beijo roubado tem mais emoção!

Jardel entregou-lhe o celular.

– Obrigado... Tchau... A gente se fala amanhã?

– Não. A gente se vê na sorveteria...

Dentro do seu peito o animal trotava.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

14. Bem, e o jantar?


Eram sete horas quando ele tocou a campainha na casa do sargento. Dona Margarida estava sentada na varanda, quando chegou. Teve a impressão de que uma câmera o vigiava, podendo revelar a qualquer hora um seu segredo.

Os minutos que estivera esperando no portão pareceram-lhe um século. Teve tempo de observar o jardim. Só agora via a palmeira viçosa que balançava as folhas, como se quisesse dizer alguma coisa. Jardel veio abrir-lhe o portão de shorts, camiseta e chinelos. Vendo o moço tão à vontade, sua memória se avivou e suas pernas fraquejaram e um cavalo começou a galopar dentro do seu corpo. O coração aos pinotes.

Trazia uma garrafa de vinho. Foi recebido na cozinha. Cumprimentos curtos, mas cordiais. A televisão ligada exibia o noticiário local. Um empresário fora assassinado em uma estrada vicinal. Os indícios levavam a um garoto de programa.

Acabadas as notícias, Dona Elizabeth, a mãe de Jardel, voltou à sua realidade imediata, preparar a massa. O sargento sentou-se à cabeceira da mesa, Jardel na outra ponta, ele no meio.

– Então você e o Jardel fizeram festa ontem?

Ele engoliu em seco. Procurou alguma coisa para falar.

– Pai, não foi festa... A gente se encontrou na sorveteria e viemos pra cá beber e comer alguma coisa. E voltando-se para Otávio, disse: é uma pena que a Luísa e a Adriana tiveram que ir embora cedo!

Como ele podia inventar uma coisa assim, na hora? Estava dizendo aos pais que mulheres participaram do encontro do dia anterior? Isso daria certo? Jardel e seus imprevistos...

– É realmente uma pena!

No susto, a conversa se iniciou e enveredou-se para outros rumos. Falou-se da infância do sargento, dos seus familiares. Depois, por causa de uma intervenção de Dona Elizabeth, o sargento começou a falar mal dos pais e dos parentes da mulher e por fim, chegando a hora de servir o jantar, colocou defeito também no vinho que Otávio trouxera:

– Pai, mas isso é coisa que se diga do presente que a visita trouxe?

– Ah, Jardel, se eu não puder dizer isso para quem vem na minha casa vou dizer para quem? Se o Otávio veio na minha casa, ele é meu amigo e essa é a verdade. Esse vinho é industrializado. Tem o rótulo de importado, mas não chega perto do vinho de colônia que tenho aqui... Foi buscar o vinho e distribuiu em taças para todos.


O jantar foi calmo. Serviu-se o vinho da visita para comparar com o do sargento e, Claro, o dele foi melhor! Terminado o jantar, Jardel pôs-se a lavar a louça. Ele se ofereceu para ajudar e foi impedido pelo chefe da casa.

– Depois que eles acabarem a arrumação, vamos jogar cartas. E apontando para a esposa e para o filho continuou: mas já vou avisando, não quero jogar com vocês, que são muito ruins de jogo. Vou de parceria nova...

Terminada a louça, Dona Elizabeth indicou:

– Antes, vou colocar a roupa suja de molho. É só um instante. Amanhã, a empregada vem. Quero adiantar serviço.

O sargento foi buscar o baralho e Otávio então lembrou-se de avisar a mãe. Não queria outra cena ao chegar em casa. Jardel mudava a toalha da mesa, quando Dona Elizabeth surge trazendo em uma mão a calça e a cueca que Jardel usava no dia anterior e na outra, o celular.

– Jardel, de quem é isso aqui?

segunda-feira, 14 de abril de 2008

13. As vozes


Depois do telefonema, os pensamentos de Otávio estavam mais acelerados. Refez o percurso do dia anterior ligando para a sorveteria e para o supermercado. Ninguém havia encontrado o celular. Onde o teria perdido? Na rua?


Justamente quando se assinalou uma promessa de relacionamento, perdera o que poderia ser um canal privativo de comunicação entre ele e seu amante. Se bem que, depois de o sargento ter atendido ao telefone do filho, não tinha mais certeza de tal sossego e recato.

De qualquer forma, não estar de posse de seu aparelho, angustiava-o e ele gostaria de saber o que esse extravio estava a significar. Então ouvia rumores. O caso não era mero acaso. Revelava coisas inconscientes e que, por escapar-lhe à razão, jamais saberia o que eram. Daí, sentindo-se ansioso demais, percebia que a possibilidade que se acenava o fragilizava e que, querendo ter domínio absoluto de tudo, cometia distrações que a qualquer hora poderiam levá-lo a xeque. Quando já se ia chafurdando em perturbações, buscava alívio em outros conselhos. Queria acreditar que tudo estava correndo bem. Afinal não acontecera o inesperado? Ele que, naquela cidade, vivia dias melancólicos com a perspectiva da solidão não tinha encontrado um rapaz que era uma esperança para suas fantasias?

Era pensar assim que lhe vinha assoprar aos ouvidos uma voz diversa das anteriores, picando-lhe o espírito e exigindo-lhe cuidados com o compromisso marcado para o início da noite. Por que Jardel agia tão de improviso? Gostaria de se encontrar com ele antes, combinar detalhes. Iria chegar totalmente desprotegido.

Mas como é da natureza de tais sugestões íntimas, elas têm lá seus meios visguentos e, antes que qualquer fato aconteça e que saibamos se pertence ao gênero da comédia, drama, tragédia, aventura, terror, suspense, propulsionam a gente. Eis que lhe Vinha uma outra incitação: mas perturbar-se com idéias fixas e antecipadas com o que pode acontecer em um jantar em que se vai conhecer os futuros sogros também não é um aspecto do controle?


Ele refletia, esquecia por alguns instantes os pressentimentos para, logo em seguida, os pensamentos retornarem misturando tudo.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

12. Convite?


– Alô...

Não era Jardel. Era o sargento. Daria início à conversa ou ligaria outra hora? Que desagradável!

– Alôôô... Alôôô...

– Por favor, o Jardel...

– Quem gostaria?

Maldita insistência!

– Otávio.

– De onde?

Puta que o pariu!

– Olá, sargento, é o Otávio, da Prefeitura, como vai?

Pronto, tudo tinha desandado!

– Ah, oh, rapaz... Do gabinete do prefeito, não é? Como vai?

– Tudo bem...

– Só um minuto, vou chamar...

Ouviu-o chamando o filho. Sua mãe adentrou o quarto.

– Alô... Oi... Jardel... É...

A mãe saiu e deixou-se ficar no corredor.

– Jardel tudo bem? Desculpa incomodar, mas é que... Acho que esqueci o celular na sua casa...

– É mesmo? Não me diga! Onde?

– No quarto. Falou sussurrado.

– Como?

– No quarto... Ergueu a voz.

– Ah, sim... Escuta, acordou bem?

– Muito...

Ah, falta de privacidade! Poderia desfiar o que lhe ia pela alma?

O outro insistia:

– Será que você agüentaria outra noite como a de ontem?

Por que a pergunta? Parecia fazer questão de evidenciar que tinham se encontrado na noite anterior. O pai e a mãe não lhe ouviam?


Mesmo com esses pensamentos, seu espírito foi rápido:

– Não apenas outra... Quem dera todas e a última de minha vida fossem iguais!

O outro riu maliciosamente.

– Você tem noção de quanto bebemos?

– Sei que foi bastante... Mas a única coisa que esqueci foi o celular...

Outra risada safada.

– Não... Não... Não está... Mas escuta, você vai fazer alguma coisa à noite?

– Nada.

– Vem jantar com a gente? Minha mãe disse que vai fazer uma massa caseira. Que tal?

O que era aquele convite? O que o moço estava querendo? Apresentá-lo aos pais?

– Então, aceita ou não?

– Será que devo?

– Não aceito recusa. Venha a hora que quiser!

Mais essa! Quais seriam as intenções do rapaz? E os arrufos entre o sargento e o filho? Teria sido ele o escolhido para Jardel se revelar ao pai? Iria ser pomo da discórdia?

– Queira Deus que amanhã eu não seja a notícia na boca da cidade inteira! Pensou