segunda-feira, 15 de setembro de 2008

35. Indiviso


Sexta-feira à tarde. Haveria baile de carnaval à noite. Estendido sobre a cama, olhando para o teto, a cabeça longe desenhava uma companhia masculina. Cairiam na folia, sambariam, se abraçariam, se beijariam, se amassariam no meio do salão. Depois, passadas as noite de samba, suor e cerveja, não se perderiam, não se esqueceriam, não desapareceriam da vida um do outro. O companheiro não sairia do seu lado, seguraria seu pierrot molhado e perderiam a cabeça juntos em muitas outras ocasiões.

O telefone tocando o fez rolar das nuvens macias da felicidade para a solidão da vida. Era Maria Luísa.

- Otávio, quer ir pro carnaval com a gente? Compramos uma mesa para as quatro noites e precisamos de mais uma pessoa pra rachar. Topa?

- Quem vai?

Ela explicou que iria com o rapaz com quem estava saindo, o Leandro, e a Adriana, de quem ele conhecia o nome no episódio com os pais de Jardel.

- Acho que não. Vou ser obrigado a ficar fazendo companhia pra moça e eu não estou a fim. Ela pode se encanar e pensar que tem alguma chance comigo...

- Desencana. A mesa é pra garantir as entradas. Vamos, quero que você conheça o Leandro.

À noite, conheceu o rapaz, achou-o interessantíssimo e quando houve um momento em que Leandro se ausentou para ir ao banheiro e Adriana estava se divertindo com amigos, ele confidenciou à amiga que o homem era um pedaço de mau caminho.

- Imagina você apalpando cada centímetro daquele corpo...

- Pois é, amigo, nesses poucos dias, tenho resistido bravamente.

- Resistir, por quê?

- A experiência tem me mostrado que os homens só querem transar, depois esquecem que a gente existe.

- Mas, vai que com esse não é assim.

- Não sei, mas por via das dúvidas, enquanto puder, vou evitar. É uma forma de fazer durar mais.

- Mais cedo ou mais tarde vai acontecer e, se ele tiver que ir embora, ninguém vai segurar e pode ser pior, porque quanto mais durar, mais há o perigo de você se apaixonar. Se for pra ser assim, é melhor que as coisas se resolvam de imediato e a fila ande.

- Ah, amigo, dessa vez estou apostando que é possível esperar um pouco. Acho que é possível nos interessar um pelo outro antes do sexo. Estou cansada de me sentir como alguém num supermercado. Tudo, desde a embalagem, tem que suprir um êxtase. Rapidamente se compra, se usa e se não satisfizer aquela expectativa, troca-se por outro. Tudo para assegurar nossa comodidade, a satisfação imediata dos nossos desejos. Assim, é melhor, não é? Vamos ficando sozinhos, não precisamos dividir nada com ninguém e vamos garantindo o controle. Não corremos o risco de nos fragilizar, afinal não podemos nos decepcionar e as emoções vão sendo preenchidas diante de prateleiras.

A conversa foi interrompida pela chegada de Leandro. Otávio notou nos olhos cismarentos da moça certa angústia. Para deixar o casal à vontade, ele procurou o ar livre, depois voltou ao salão, foi ao bar, ao alpendre, ao banheiro, caminhou pelos camarotes e assim, como se ele fosse um animal fora de seu habitat, a noite o viu vaguear pelo clube. Nenhum olhar, nenhum sorriso que significasse algo. Por mais que compulsivamente tomasse cerveja, não se animava para cair no samba.

Por volta das quatro e meia da manhã, deixou o clube e voltou ao hotel. Caiu na cama. O mundo girava. Teve a impressão que passou por um rápido cochilo. Sonhou que ele e Maria Luísa faziam compras num hipermercado. As pessoas vagueavam com carrinhos abarrotados, enquanto eles não sabiam o que escolher. Ouviu batidas na porta, abriu os olhos e viu que o dia já ia alto. A bexiga cheia doía, o pau duro. Estava somente de cueca. Enrolou-se na toalha de banho e foi abrir a porta.

- Desculpa acordar o senhor, mas vim saber se quer lavar o carro.

Era o rapaz da garagem, que depois de encará-lo, abaixou os olhos, esbarrando-os com o corpo saliente sob a toalha.

8 comentários:

Serginho Tavares disse...

ansiando urgente por ler esse próximo capítulo.
adorei o que a Luíza disse sobre relacionamentos, mas ela deve dar logo porque se o cara vai gostar dela ou não tanto faz o tempo que demorar. esse lance de que homem respeita mais a mulher quando não acontece logo é no fundo balela. respeita atá a hora de comer e depois?
adoro esse blog. com certeza um dos mais legais que existem na net...
beijos

K. disse...

gente nova!

João Roque disse...

Quem vai lavar o quê a quem???
Abraço.

BinhoSampa disse...

as pessoas quando levam pancada da vida, fica com receio depois de se jogar num relacionamento... espero que a Luíza não demore...caso contrário perderá-o....

Abs:-)

Gui Sillva disse...

nunca é bom perder as esperanças...

Thiago de Assumpção disse...

hum...
as vezes devemos procurar o amor de varias forma...
ou isso...

Oz disse...

Serão a pressa, a sofreguidão meras precipitações, que induzem tantas vezes ao equívoco, ou a felicidade é algo que não se mede no tempo?
Abraço

Alberto Pereira Jr. disse...

olha.. eu até concordo com a sua amiga.. meus últimos relacionamentos têm sido sexuais.. e não quero só isso.. mas tb é dificil.. tem vezxes q insistimos..mesmo sabendo que não vai valer a pena...

ui adorei a conclusão do post

:P