segunda-feira, 8 de setembro de 2008

34. O que vai e o que torna

Uma após outra, as horas se foram como contas de rosário por entre os dedos.

Na quinta-feira à tarde, o sargento ligou convidando Otávio para o jogo de cartas à noite.

- O que aconteceu, rapaz, que você desapareceu? Só por que Jardel foi viajar? A gente continua por aqui.

Então o sibarita já tinha partido para a farra!

- Sargento, não sei se...

- Você não está pensando em me dar o cano, está? Sem o meu parceiro, eu estou no mato sem cachorro.

- Está bem, eu apareço.

Pelo menos teria algo para preencher o tempo.

Na casa dos pais de Jardel, o Lalo e o Oliveira com as respectivas famílias. Ao mesmo tempo que
Otávio flagrava a mulher do Oliveira o observando, ouvia as piadas do Lalo.

- Sabe aquela das duas bichinhas que deliravam com coisas impossíveis que gostariam que acontecessem?

- Não.

- Então! Uma delas se vira e fala assim pra outra: “Já pensou se chovesse pica?” A outra respondeu: “Nossa, eu não ia tirar meu cu da bica.”

Riam a gosto.

Vinho era servido sem reservas. O jogo avançava. O telefone tocou e Dona Elizabeth foi atender. Era Jardel. Otávio, de ouvidos atentos, tentava mapear a conversa. Ouviu quando a mãe respondeu ao filho:

- Está sim! Seu pai agora não joga mais carta sem ele como parceiro. Quer falar com ele?

Jardel tinha perguntado por ele? Por quê? Uma pequena esperança foi batendo as asas em sua imaginação e voando por todo seu corpo. Ele também já estava com saudade.

Dona Elizabeth desligou o telefone e veio dizer que o filho estava em São Paulo e que viajaria à noite para Minas.

- Jardel ligou ontem e eu falei pra ele ir atrás de uma especialização em endodontia que vai começar logo depois do Carnaval. Disse o Sargento.

- E ele vai fazer? Tornou Otávio curioso.

- Ele não quer, mas eu e a mãe dele estamos insistindo. De que adianta terminar a faculdade e ficar parado. Ele nem começou a trabalhar. Para ele não vai fazer diferença ficar mais um tempo longe de casa.

A esperança foi à beira da sepultura. No lugar dela, tristeza e abandono potencializados.

Bateram palmas no portão. Dona Elizabeth foi atender. Era Dona Margarida, a ex-professora, vizinha da frente. Veio combinar a passagem da imagem de Nossa Senhora das Dores pela casas da rua. Cumprimentou os jogadores e quando viu Otávio falou:

- Esse rapaz é um talento literário. Guardo até hoje uma redação que ele escreveu quando estava no grupo. Enquanto todos escreviam sobre assuntos triviais, ele era capaz de escrever coisas que fugiam ao senso comum.

- Que elogio! Disse Dona Elizabeth.

- Qualquer hora vou procurar e vou trazer uma cópia para vocês lerem. É uma história sobre um garoto que beija um peixe.

Otávio não se lembrava mais daquilo e ficou cheio de interesse em ler o texto. As palavras da professora soaram como um conforto. Quem sabe não estaria na sua paixão pela literatura a saída para sua aflição? Sabia que estava sublimando, mas era o que lhe restava fazer enquanto não lhe acudia o príncipe encantado. Ele não admitia, mas acreditava em príncipes, histórias de fadas e felizes juntos para sempre. Tinha a ilusão de que um dia encontraria um homem que se encaixaria como uma luva em todos os seus desejos. Frederico, Jardel e alguns outros rapazes desfilavam por seu pensamento entre cartas, goles de vinho e as piadas de Lalo.

8 comentários:

Serginho Tavares disse...

e o jovem que lavava o carro de Otávio?

Goiano disse...

e o msn?
nao vou te conhecer?
pleaseeeeeee

Leandro® disse...

não disse que ia retribuir? Vou voltar mais vezes, tudo porque, gostei daqui.

Um abraço

FOXX disse...

hummm...

João Roque disse...

Uma pausa, para retomar fôlego e ir dando fio à meada é sempre necessária...
Abraço.

K. disse...

garoto e peixe

me lembrou um livro
dado por um antigo affair...
rs

Thiago de Assumpção disse...

legal o texto...

SP disse...

Ler é também saber ser o que se entende...

Um abraço... peludo!!!