segunda-feira, 7 de julho de 2008

25. Tempo brusco


- Ok. Entendo o seu lado... Você fantasia um mundo de acontecimentos, de acordo com o que bem entende sua cabeça, sem saber quem são meus amigos, de acordo com o que você faria no meu lugar... Então por que você faria isso, você transfere pra mim tudo isso pra me chantagear e eu ficar sujeito ao controle dos seus caprichos, às suas excentricidades... Jardel argumentava.

- Não precisamos discutir mais... Já disse que você pode ir... Otávio encerrou a discussão.

Jardel pôs-se a temperar a carne e Otávio pegou uma cerveja e sentou-se na varanda, observando a chuva que caía.

Dentro de cada um havia um vulcão, uma vontade enorme de voltar à discussão, mas lutavam para se conter. Cada um monologava à sua maneira, perdidos em um ressentimento amargo.

Otávio imaginava o outro viajando com os amigos de faculdade. Quem seriam? Era preciso dizer algo? Alguém que fosse gay iria para o carnaval com héteros? Ele já podia imaginar qual a finalidade da viagem. Lembrava outros relacionamentos. Tudo era uma maravilha quando estavam sozinhos, mas quando os amigos e conhecidos eram acrescidos na relação, o caldo entornava.

Por outro lado, Jardel gostaria de entender se, para namorar alguém, teria que abdicar do que já vivera, daquilo que em outros relacionamentos se tornara um tormento. Ter somente amigos em comum. Será que não seria possível uma vida independente? No fim, era tudo a mesma coisa: um querendo controlar o outro, um querendo subjugar o outro. Relacionamentos gays e héteros eram todos iguais. Dois fechados num mundinho, respeitando mutuamente medos e fobias.

Estavam ruminando os pensamentos, quando o caseiro, o Lourival, apareceu no meio da chuva, embrulhado numa capa amarela. Encontrou Otávio sentado na varanda:

- Com esse tempo nem dá pra pensar em pescar, não é mesmo?

- É.

- E se vocês estão pensando em ir embora, é bom esperar um pouco. Do jeito que tem chovido, o carreador fica tão encharcado, que o carro patina e não sobe...

- Tudo bem...

- Sair pra pescar e ter que ficar dentro de casa não é bom, né? O homem tentava puxar conversa, mas Otávio permaneceu calado e com a cara que estava, o outro desistiu.

- Bem, se precisar de alguma coisa, é só chamar...

- Tudo bem.

Otávio foi para dentro.

- Precisa de ajuda?

- Não, pode deixar que eu termino.

Em momentos distintos, os dois tentaram puxar conversa, mas algo havia se rompido e por mais que tentassem resolver a situação o que haviam ouvido um do outro ainda os humilhava.

A tarde avançou e com ela veio o almoço. A comida deliciosa enroscando na garganta. A presença do companheiro, que já fora uma promessa, era agora uma ameaça. Por que estarem juntos, se um voto, um juramento, poderia se tornar um pesadelo?

Passaram a beber e o som da chuva no telhado era quebrado por algumas frases que se calavam rapidamente. Assim chegou também a noite e os dois foram dormir como dois desconhecidos. Algo havia realmente se rompido.

Otávio despertou no meio da noite e a insônia o pegou. Levantou-se e foi para o sofá assistir televisão. Acordou com pessoas entrando pela casa, fazendo alarde. Era o Lalo e o Ezequiel, com as famílias.

Meio desorientado, ouviu:

- Rapaz, acorda, que a chuva passou. Vamos aproveitar a água barrenta, que esse córrego aí no fundo está cheio de bagres! Vai ser boa a pescaria.

6 comentários:

João Roque disse...

O amor é feito de cedências...mútuas; e há tanta gente que não se lembra disso.
Abraço.

¿Controversy! disse...

As pessoas ainda não entenderam que um relacionamento não significa a entrega integral de um para o outro e sim um complemento, aonde a individualidade de cada um deve ser mantida, pois se não for assim, a relação tarda, mas não dura muito.
Por essas e por outras é que muitos relacionamentos não dão certo. Deve haver cessão sim, mas jamais entrega total de si e de seu mundo para o outro. Relacionamento é compartilhamento.
¿Abraços!

Alberto Pereira Jr. disse...

tive poucas DRs...
o meu último namoro terminou sem mesmo ter havido uma única discussão..
espero q vcs estejam bem

BinhoSampa disse...

sei da necessidade de haver uma conversa entre os dois....mas ter que discutir relacionamento é o.. óh... não tenho paciência....

abs:-)

Latinha disse...

Putz... estes textos "bateram" mais doido hoje... ehehehe

Sei lá, muitas vezes as coisas são tão simples que a gente se nega a aceitar. Um pedido sincero de desculpas, uma conversa honesta e franca talvez pudesse quebrar essa parede de gelo que se formou entre eles.

Mas para que isso acontecesse, teriam que superar o medo de perder. De ouvir um não. E por ai vai...

Meditar eu irei... ;-)

Abração para ti!

Leo Carioca disse...

Se eu me colocasse no lugar dele, também não gostaria de ir nessa viagem.
Viajar com um bando de héteros que, com certeza, só vão falar o tempo todo de futebol e de buc*ta não é um dos programas mais agradáveis pra nós, gays, né?
Entendo o fato dele se sentir meio deixado com o namorado indo nessa viagem, mas eu me sentiria pior ainda se eu fosse junto.