segunda-feira, 5 de maio de 2008

16. O filho da mãe

Passou pelo portão e Jardel, com sorriso maroto, amparou-se no muro. Olhavam-se e sorriam-se. Ele caminhava olhando para trás. Que garoto mais louco! Por pouco não atropelou um andarilho que lhe pediu cigarro. Quando disse que não fumava, o pedinte lhe respondeu:

– Seu filho de uma puta, vai se fuder.

Caminhando pela rua deserta, sentia a brisa da madrugada batendo no rosto. Como seria seu futuro? Uma estrela cadente riscou o céu. Nem sabia o que pedir. Tudo estava tão certo.

Já em casa, rodou a chave na fechadura, forçou a porta, que não se abriu. Alguém teria passado o ferrolho? Invadiu-lhe uma imensa irritação. O jeito era acordar os pais. Foi até a janela do quarto, deu um toque na vidraça e chamou. O pai veio abrir a porta.

– Sua mãe deve ter passado o ferrolho sem perceber.

Agradeceu ao pai e dirigiu-se ao quarto com a pulga atrás da orelha. Ele sabia do que sua mãe era capaz.

Assustou-se com a cama desarrumada. Não havia lençol, nem coberta. O travesseiro estava sem a fronha. O sangue subiu-lhe a cabeça. Ela estava querendo castigá-lo por algo. Sabia que, acordada, ela espreitava-lhe as ações. Engoliria mais uma vez a obstinação desarrazoada daquela senhora?

Respirou fundo. Estava feliz. Fazia calor. Trancou a porta do quarto, despiu-se e deitou-se na cama desguarnecida. Havia uma excitação dentro dele. Rolava para cá e para lá, o pensamento encontrava ancorado num único porto: o corpo de Jardel. Demorou a dormir. Escutou um galo cantar, mais outro, um terceiro...

Acordou às 10 horas da manhã, fingiu que não estava desperto. Algo em seu corpo era rígido como o tronco da palmeira. Ficou mais um pouco na cama.

Levantou-se e vestiu-se. Como chegar à cozinha? Pelo barulho, seu pai já tinha saído para trabalhar. Foi ao banheiro, voltou ao quarto arquitetando o encontro com a mãe. Diria “bom dia”? Fingiria nada ter acontecido? Não foi preciso. Ela veio até ele.

– Quando é que você vai se dar ao respeito?

– A senhora pode dizer o que foi que eu fiz de errado dessa vez?

– Quase três horas da manhã. São horas de chegar em casa?

– Eu liguei avisando e, além disso, estou de férias...

– Sua amiga, ligou! Se não estava com ela, posso saber onde você estava?

– Até poderia... Mas não tenho a mínima vontade de dizer!

– Enquanto você morar nessa casa, você me deve satisfação.

– A senhora me cobra respeito, mas não se dá ao respeito...

– Já que você precisa tanto ser respeitado, você deveria procurar quem tolere as suas ações sem
pedir explicações, que faça as coisas pra você sem exigir nada em troca, que conviva com você sem te causar danos...

– A senhora está querendo dizer o quê?

– Que eu não sou obrigada a aturar um filho que sai de casa e não diz aonde vai e o que faz. Como vou saber se você não está metido com drogas, crimes?...

Ele não teve tempo de racionar.

– Você me conhece. Sabe do que eu sou capaz. Só uma mente depravada pode pensar isso! Sua loucura não suporta que ignorem os seus caprichos.

– Claro, apesar de tudo isso, sou a louca de quem você depende para tudo. Para deitar na cama arrumadinha, para ter a comida na mesa na hora certa, a roupa limpinha, cheirosinha, anotar os recadinhos que deixam para você... Mas no meu covil mando eu e, se não for assim, não posso lhe dar guarida!

8 comentários:

Flávio Dantas disse...

tb gostei daki...vc escreve mt bem :}
vamos nos linkar?

Latinha disse...

"Escolha as armas!", duelo à vista?!

Teria a mãe suspeitas que [talvez] o maior medo dela esteja para se concretizar?! Ou seria mais um episódio de TPM?! Ou um típico caso de "todas as anteriores"...

Ai que curiosidade ;-)

Grande abraço!

Goiano disse...

gente que delicia
a historinha pega fogo!!!
uhauhahua
mae é tudo igual... ate a da ficção
kkkkkkk
bjos

descolonizado disse...

wow! acabei de rezar aqui pra agradecer a deus por não uma mãe assim; minha mãe é tão maravilhosa!

abraços.

Júlio Castro disse...

as mães. sempre elas. um brinde a Freud.

e obrigado pelo comentário em meu último texto. é a primeira vez que venho aqui. geralmente quem sempre vem é o outro marido do blog. lerei os capítulos anteriores para me situar na estória.

Abraço.

Júlio
http://doismaridos.wordpress.com

¿Controversy! disse...

De fato essa é uma realidade que muitos têm que encarar... Mas, com jeitinho e um pouco de criatividade, nosso amigo consegue chegar ao seu objetivo.
¿Beijos!

Anônimo disse...

Caramba, o lance tem ficado cada vez mais deliciosamente kitsch. De onde você tira expressões como "Sua loucura não suporta que ignorem os seus caprichos." e "o pensamento encontrava ancorado num único porto: o corpo de Jardel."??

Pedro Almodovar de duas décadas atrás se sentiria orgulhoso.

William

Alberto Pereira Jr. disse...

parece uma das discussões que tenho eventualmente com minha mãe...