Cinco e meia da manhã. O dia amanhecia nublado e ele estava aéreo. Se fosse possível, impediria o sol de nascer.
Na calçada, Dona Margarida, a professora, que ele nem se lembrava que era vizinha do sargento, juntava as folhas. Uma lufada de vento as espalhou enquanto ele passava. Cumprimentou-a com educação, já que ela fizera parte de sua vida, e com receio, pois era uma testemunha. O que ela poderia pensar ou dizer, vendo-o sair dali?
Mas não conseguia se concentrar. As últimas horas ainda eram surpresas que se prolongavam na sua alma e já deixavam saudade. O que seria de sua vida depois daquele acontecimento?
Flutuava pelas ruas como um autômato.
– Valei-me, meu Santo Antônio! Minha eterna gratidão por ter atendido minhas preces!
Era sua mãe que, ao vê-lo entrar, desabou no choro.
– Mãe, pelo amor de Deus, o que aconteceu?
Ela somente chorava.
– Fala, mãe, o que aconteceu?
– Você quer me ver morta de preocupação? Sai de tarde e só volta no outro dia! O que significa isso, meu filho? Custava ligar? Avisar que ia passar a noite fora? Disparou as palavras como uma arma num campo de batalha.
– ...
– Sua mãe exagera. Eu não falei que não era nada? Também fui rapaz, sei como são as coisas... Interferiu seu pai.
– Não tenho sangue de barata... Que mãe pode dormir tranqüila com essa violência que surpreende em qualquer lugar?
Puxa vida! Que mancada! Somente agora ele se lembrava que tinha uma mãe e um pai que se preocupavam com ele.
– Mãe, mas por que a senhora não ligou no meu celular?
– Você ainda tem coragem de me perguntar isso? Passei a noite em claro ligando pra você.
Tentou puxar o celular do bolso. Onde estava? Quando o notara pela última vez? Na casa de Jardel. Ligou para seu próprio número. Chamava, mas ninguém o atendia.
– Fico imaginando o que foi que aconteceu pra você nem se dar conta de que perdeu o celular! Desafiou a mãe.
– Eu não perdi o celular, eu apenas esqueci na casa de amigos...
Trancou-se no quarto para evitar outras especulações.
O número do outro estava gravado na agenda do seu aparelho, mas também o sabia de cor. Ligou. Desligado... Dormia com certeza! Ainda que tivesse o número da residência, não iria incomodá-lo. Ligaria mais tarde. Era um bom pretexto para um novo encontro.
E se alguém que não Jardel o encontrasse? Ele haveria de chegar antes. Na cama, antes fechar os olhos, abraçado à lembrança de um corpo amoldado ao seu, ainda teve tempo para conjecturas: tudo caminhava bem? Ou eram aflições na iminência de acontecer?