quarta-feira, 5 de novembro de 2008

42. Filho de peixe...




Sábado à tarde, último final de semana de férias. Poucas perspectivas a não ser pensar no trabalho. Nem mesmo planejar algo para fazer à noite o excitava. Foi ao bar em que bebera com Frederico tomar uma cerveja.

Estava sentado com o olhar perdido em algum ponto da rua, pensamento longe. Alguém tocou seu ombro esquerdo. Virou-se. Seu pai o encarava.

- Mas que solidão é essa?

- Vim aqui passar umas horas.

- Sozinho?

- Não havia ninguém pra me acompanhar.

- Posso sentar?

- Claro.

O garçom aproximou-se trazendo um copo e perguntado se estava tudo em ordem, se desejavam algo. Responderam tudo estava bem.

O pai retomou a conversa.

- Por que você não volta pra casa? Morar em hotel é tão impessoal. Acentua a solidão.

- Pai, eu sempre fui um cara sozinho.

- Eu sei, sou seu pai. Você nunca teve muitos amigos.

- O senhor já se perguntou por quê?

Aquela pergunta lhe saiu de chofre. Ele não tinha mais nada para esconder. O pai que cuidasse com o que ia dizer.

- Sei que na situação em que você se encontra, pode ser fácil culpar sua mãe... Os escândalos que ela fazia as poucas vezes que seus colegas acidentalmente foram em casa, mas eu acredito que há uma série de fatores, inclusive me culpo bastante por isso. Talvez se eu tivesse sido um pai...

- Pai, não vai adiantar nada o senhor achar que poderia ter feito diferente. Agora já passou e só é possível pensar daqui pra frente e nunca daqui pra trás.

Ele se assustou com aquilo que lhe saiu da boca. Na verdade nunca tivera muita intimidade com o pai. Sempre o achara alguém acomodado e de poucas palavras. E se assustava com isso que agora estava saindo de sua boca soando como um conselheiro de auto-ajuda para alguém que nunca teve muita participação nos seus conflitos.

- E o que eu poderia fazer de agora em diante.

E agora? O que diria? Houve uma pausa entre eles até que o pai quebrasse o silêncio.

- Há alguma coisa que eu possa fazer por você?

Um pomo parecia enroscado na garganta de Otávio. Ele se esforçava para dizer algo, mas nada saía. Sua vontade era dizer tudo o que pensava daquele homem que durante sua vida inteira parecia-lhe ser um estranho em casa. Saindo de manhã para o trabalho, voltando à hora do almoço, depois se ausentando à tarde e voltando á noite para esconder-se na oficina que mantinha nos fundos da casa e ali ficar até poucos minutos antes de ir dormir. De repente sentiu vontade de chorar e uma lágrima chegou a ameaçar a sair-lhe pelas pálpebras, mas se conteve. O pai percebeu o estado embargado do filho.

- Depois que você saiu de casa, percebi o quanto eu fui um pai ausente. Tanto tempo tive pra estar junto de você e somente agora é que eu percebi que você era alguém dentro de casa, que era meu filho, que poderia precisar de mim... Você não podia ser diferente. Eu também sempre fui muito sozinho, apesar de ter vocês, mas hoje eu consigo entender que eu é que me isolei, que eu poderia ter feito diferente...

- Pai, já te disse, isso agora não vai adiantar nada...

- Sei lá poderia ter acompanhado mais a sua vida e a de seu irmão... Não sei o que poderia ter feito, mas poderia ter tentado...

Havia uma comoção entre os dois. A situação começou a ficar insustentável.

- O senhor fez o que foi possível fazer... Vamos parar de falar nesse assunto, porque daqui a pouco vamos parecer dois bêbados chorando numa mesa de bar e quem passar por aqui vai achar muito patético pai e filho chorando entre copos de cerveja.

- Você tem razão... Vai ficar muito estranho presenciar choro entre quem nunca teve muita intimidade, não é?

- Como?

- Você quer evitar o assunto. Acho que é por isso. Nunca tivemos muita intimidade. Nunca soubemos nada um do outro...

- ...

- Por exemplo, nunca me preocupei em saber de suas namoradas, se você estava gostando de alguém, nunca quis saber das tuas angústias...

- E de que adiantaria o senhor saber disso?

- Não sei, como eu disse, talvez pudesse ser diferente...

- Eu também não sei...

Para Otávio, a conversa estava ficando perigosa. Era melhor interrompê-la a qualquer custo. Precisava inventar uma desculpa para se retirar dali.

- Queria te perguntar uma coisa, mas não sei como fazer? Retornou o pai.

E essa agora?

- Tenho medo do que você vai perguntar. Respondeu Otávio de maneira automática.

- Por quê?

- Acho que tenho medo do que você pode pensar de mim... Não gostaria de mentir para preservar você.

De dentro dele vinha uma coragem que tornava seu rosto uma brasa viva.

- Você não precisa me preservar de nada... Ás vezes, penso que eu é que deveria ter te preservado de mim... A sua solidão me preocupa... Me sinto responsável por ela. Te acho muito parecido comigo.

- Não. Somos diferentes...

- Por quê?

- Como você mesmo disse, você era solitário tendo uma família... Quanto a mim – endureceu a fala – minha perspectiva é de pura solidão.

- Posso saber por quê?

- Sou gay. Como vou constituir família por aqui?

6 comentários:

Serginho Tavares disse...

PELO AMOR DE DEUS NÃO DEMORA A POSTAR A CONTINUAÇÃO!

beijo

João Roque disse...

O melhor texto de toda a história...e como diz o Serginho ficamos a pensar no que aí vem...
Abração.

Unknown disse...

Essa historia de estranhos na mesma casa lembra a minha casa...

SP disse...

Hoje lembrei-me de ti por procurar um post antigo no meu blogue!

Um abraço assim*

Gui Sillva disse...

aproveite os últimos dias de férias...e volte com tudo!

K. disse...

*slap* na cara