Não queria pensar no relacionamento que mal se esboçara e já tinha dado provas de que se esfumaçara pelo ar, na mãe que preferia vê-lo morto a não o ter dentro do exato desenho de sua loucura, no que iria fazer sem a infra-estrutura que seus pais lhe ofereciam e que o fazia permanecer instalado e acomodado com uma logística falsa. Recusando-se a reter na mente qualquer fiapo de idéia que lhe viesse a tirar do seu estado de indolência, adormeceu.
Acordou no meio da tarde com o celular tocando. Maria Luisa o convidava para um sorvete. Ela precisava lhe contar as novidades. Logo que o viu, a moça percebeu que ele não radiava o brilho dos últimos dias. Otávio resumiu os acontecimentos e finalizou resignado:
- Melhor assim! Agora sou realmente um pós-moderno, um cara obrigado a me inventar a cada momento. Toda vez que piscar os olhos, vou lembrar que tudo o que eu me agarrava: família, um lar, um companheiro não existe mais e vou ter que buscar algo novo...
- Ainda bem que você ainda tem um emprego! Mas, sinceramente, espero que você encontre algo que te conforte...
- Vamos ver. A sorte está lançada! E você? Estou curioso pra saber as novidades...
- Bem, amigo, ao contrário de você, estou nas nuvens!
Ela então começou a lhe contar sobre o final de semana. Fora na casa da tia na sexta e encontrara lá um amigo do primo. Conversas, olhares, risos e um convite para sair. À noite, o beijo.
- Sabe aqueles caras que têm uma pegada que te faz arrepiar a nuca?
- Puxa, gostei! Se joga!
Ela estava tão entusiasmada que ele se entreteceu com a animação da amiga, mas quando chegou ao hotel, já tinha voltado ao velho hábito de planejar o momento seguinte. O que faria?
No hall, encontrou o Breno, o dono do estabelecimento, um pedaço de mal caminho, que ostentava uma grossa aliança no dedo anular da mão esquerda. Procurou passar despercebido, não queria justificar o motivo por que, morando na cidade, estava hospedado em um hotel.
- Otávio, soube que você está hospedado aqui...
- É, tive uns contratempos em casa. Preciso cuidar da minha vida, morar sozinho...
- Escuta, tenho uma proposta pra te fazer. Estou pensando num projeto e você é a pessoa ideal pra elaborar pra mim.
Como ex-atleta do vôlei da cidade, queria montar uma parceria com o poder público. Pensava grande, inclusive em ter na cidade uma equipe que viesse disputar a liga nacional.
- Podemos fazer uma permuta com sua estadia aqui. O que você acha?
- Acho ótimo. Falou com a pessoa certa.