segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

4. O primeiro beijo


Como a lua cheia escondida atrás de grossas nuvens encontra naquele relance em que o céu se abre o olho d’água que a reflete, ou como dois seres da mesma espécie se reconhecem no ermo de multidões que se arrastam pela terra, eles se avistaram pela primeira vez em uma praça.


Rui viera passar o feriado prolongado em casa de parentes e, com seus dezenove anos de rapaz habituado às experiências de uma grande cidade, não podia imaginar que encontraria Vinícius, quando aceitou o convite do primo Adílio para visitar aquela que ele imaginara ser uma cidadezinha qualquer.


Como a lua, a vida também é cíclica e naquela sexta-feira da paixão, eles não sabiam que, finda a procissão, se encontrariam novamente no baile de aleluia. Tal como um espetáculo de teatro em que o público ao se assentar na platéia se depara com dois personagens em cena, que se portam de tal maneira que se pode adivinhar o que já se passou entre eles, quem os observasse naquele segundo encontro, poderia notar ali a tensão.

O que a princípio poderia se desvanecer atrás de partículas de água e gelo contou com a atuação de um vento forte que avivou o luar. Foi Adílio quem os apresentou um ao outro. Um relâmpago cruzou o céu.

Vinícius não podia imaginar que o que trazia tão represado em suas couraças corporais fosse, a força de estar em face de alguém que espelhasse sua ânsia, sofrer um derramamento que inundasse todo ambiente e Rui, já tendo vivido situação semelhante com outros rapazes, não pode evitar que sua sede fosse absorvendo aquele líquido transparente fluidificado entre seus olhares. A saliva que encharcava o deserto arenoso de cada um deixava para os entendidos na linguagem do alumbramento do amor a percepção do que andava a roda entre eles.

Um movimento ritmicamente estruturado e ao mesmo tempo estático, suplicando chuva e evocando o futuro, podia se notar entre os dois moços. O discurso de seus corpos condensava-se e rapidamente transmutava água em fogo, organizando mundos.

Fugiram então do salão para a cachoeira. Ali colaram suas bocas numa tentativa de aplacar a incandescência de seus corpos. As línguas eram dardos que se acariciavam. No bosque que os rodeava sentiram a chuva sobre seus corpos, enquanto o sangue era impetuoso dentro deles.

A cor branca e rosada do domingo os veio encontrar de mãos entrelaçadas. A ameaça da separação deixava a certeza de que eram asas de certa ave, duas manchas paralelas formadas por penas coloridas e brilhantes.

3 comentários:

Unknown disse...

A poesia do amor, do desejo e do primeiro encontro, sempre encanta.
Lindo! Lindo! Lindo.
Quem dera todos pudessem sentir e viver essa magia.

Alberto Pereira Jr. disse...

lindo e excitante o texto.. tempos que não vivo uma história interessante assim.. heehee

Tarco, quero agradecer a sua visita ao meu blog e dizer que fiquei lisonjeado com seus elogios..

abs

Edu disse...

Não vai dar pra comentar em tudo, mas as imagens que você coloca em seu texto são lindas! "... organizando mundos", "dardos"... Supimpa, meu amigo!